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O Yoga na Prisão

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Introdução


Este artigo reúne literatura sobre intervenções de yoga nas prisões e ilustra a dimensão da investigação nesta área, mas não inclui toda a literatura. Dito de outra forma, o texto não é um artigo de revisão da literatura, mas permite compreender e justificar as intervenções com yoga e meditação nos Estabelecimentos Prisionais (E.P.) de Portugal.


Durante um ano participei como Professor de Yoga no projeto Prison Yoga de Portugal, mas por razões profissionais no ano de 2023 suspendi a minha participação. Foi uma experiência muito agradável e enriquecedora, onde contribuí para o bem-estar de alguns reclusos no E.P. do Linhó (Sintra). Espero, no futuro, poder escrever sobre essa experiência.


As aulas de yoga e meditação na prisão não são novidade em Portugal: existem há vários anos em diversos estabelecimentos prisionais sem, no entanto, existirem estudos que comprovem a eficácia dessas intervenções.


É importante salientar que crenças, opiniões e factos, são conceitos diferentes. Os últimos são comprovados através da evidência científica, mas entre os praticantes de yoga é comum existir confusão entre esses conceitos. E se num certo país há um estudo que refere a evidência de certo efeito ou benefício, isso não implica a universalização do facto: ou seja, NÃO ocorre necessariamente em todos os países.


O panorama nas prisões portuguesas é complexo. Uma notícia recente reporta alguns dos problemas do sistema prisional português.


“Em Portugal, cada recluso custa ao Estado cerca de 50 euros por dia, são quase 20 mil euros ao ano. Mas os 49 estabelecimentos prisionais (EP) do país custam mais de 250 milhões de euros todos os anos ao Orçamento do Estado. A juntar a estes números há mais um, o da percentagem de reincidência: 75%. É assim no mundo, é assim na Europa e Portugal não foge à regra. Os dados que constam dos relatórios do Conselho da Europa, da União Europeia e da Amnistia Internacional não traçam o melhor retrato.” (Diário de Notícias, 2019).

A evidência científica produzida em língua inglesa sugere que estas práticas são intervenções de baixo custo pois são baseadas no trabalho de voluntários (sem custos para o Estado), apresentam resultados nos eixos do stress, ansiedade e depressão, mas também no comportamento e relacionamento entre os reclusos, promovem a redução da agressividade e diminuem as taxas de reincidência. Será que em Portugal podemos vir a ter os mesmos resultados?



yoga na prisão
postura de yoga na prisão

A Literatura Científica sobre o Yoga na Prisão


Os participantes nas intervenções do Projeto Prison Yoga norte-americano relataram o impacto mental positivo, nomeadamente a diminuição da ansiedade e depressão, com a redução de comportamentos agressivos e de dependências. Os reclusos que participaram no projeto dedicaram-se mais às causas sociais e comunitárias. Todos os respondentes aos questionários, entre os trinta e os setenta anos, salientaram a diminuição da agressividade verbal, o incremento do autocontrolo e maior facilidade em gerir relacionamentos com os outros. Após o cumprimento de pena, os mesmos entrevistados continuaram a praticar yoga pois acreditaram que as técnicas aprendidas poderiam ajudar no desenvolvimento pessoal, na reabilitação e na transição para a vida na sociedade (Viorst, 2017).


Um outro estudo sublinhou a importância de atividades que correspondessem às necessidades emocionais e ao bem-estar espiritual dos reclusos. Equacionou-se a necessidade de encontrar novas estratégias de avaliação dos riscos penitenciários, com o objetivo de permitir outras abordagens holísticas que fossem favoráveis à mudança. Genericamente, a evidência do estudo indica que o yoga permitiu o empoderamento através de narrativas transformadoras, designadamente através daquilo que podemos designar desenvolvimento pessoal e experiências espirituais (Karup, 2016).


No ano de 2017, a Yoga Foundation e os serviços prisionais australianos foram responsáveis pela introdução de uma intervenção semanal de yoga na prisão. A evidência sugere benefícios terapêuticos relevantes relacionados com a autoestima, com o sono, com a redução da dor, com o aumento no bem-estar mental e da flexibilidade. Segundo Bartels, Oxman e Hopkins (2019), o sentimento relatado pelos participantes no programa foi de paz e calma. Sem surpresa, o estudo sugeriu a necessidade da realização de mais investigação com os programas de yoga nas cadeias australianas.


Na Suécia foi implementado um programa de yoga com a duração de dez semanas em nove E.P., com uma intervenção por semana e com um total de cento e cinquenta e dois participantes. O estudo apontou para a importância dos efeitos do yoga entre os reclusos com problemas mentais e impulsividade elevada. Sugeriu que a eficácia das intervenções teve impacto no bem-estar e no comportamento dos reclusos, podendo ser importante na reabilitação (Kerekes, Fielding, Apelqvist, 2017).


Auty, Cope & Liebling (2017) elaboraram uma revisão sistemática e duas meta-análises sobre programas de yoga e meditação nas prisões, com revisão de literatura até ao ano de 2014. O artigo apontou para um incremento significativo do bem-estar psicológico e das melhorias no comportamento dos reclusos. Os dados analisados reportaram diferenças significativas nos efeitos das intervenções com maior e menor duração. Constatou-se ainda que os comportamentos dos reclusos beneficiaram mais com programas de maior duração do que com programas intensivos.


Em países como os Estados Unidos, a Austrália e o Reino Unido, as práticas de yoga e meditação fazem parte das estratégias dos respetivos sistemas prisionais. Na Índia, o país de origem do yoga, onde embora já tenham existido várias experiências nesse sentido, ainda não foi oficialmente formalizada a adoção do yoga e da meditação como estratégia de reabilitação.


As principais instituições dedicadas ao ensino do yoga e meditação em prisões são o Prison Yoga, originário da Califórnia, o Liberation Prison Yoga e o The Prison Phoenix Trust. Curiosamente, a primeira destas instituições ministra aulas regulares para reclusos em todo o território dos Estados Unidos e um dos seus objetivos é reduzir a taxa de reincidência. Além disso, o Prison Phoenix Trust promove intervenções regulares de yoga e meditação em oitenta e quatro prisões do Reino Unido para um universo de 2.000 reclusos por mês (Kikkekar, 2019).


A Yoga Foundation (2019) é uma fundação que se dedica à investigação sobre yoga e saúde mental. Embora existam diferentes estudos, com metodologias diversas, os resultados obtidos são promissores e evidenciam benefícios para a saúde mental dos reclusos norte-americanos.


Smoyer (2016) refere que as intervenções com yoga geraram benefícios para a saúde, nomeadamente na gestão dos transtornos derivados das problemáticas de adição e trauma. Um estudo que incluiu sessões de yoga para mulheres com trauma e comportamentos aditivos, sugeriu que a participação de instrutores de yoga certificados pode aumentar o potencial para investigações futuras e potenciar o acesso às práticas, em particular para as classes marginalizadas da sociedade.


Griera e Clot-Garrell (2015) estudaram as práticas de yoga no contexto prisional da Catalunha, Espanha, na perspetiva sociológica do crescimento da espiritualidade holística nas prisões. Os autores sugeriram que a linguagem verbal e corporal das intervenções baseadas em yoga, e também em outras disciplinas holísticas, possibilitam aos reclusos a construção de novas narrativas que lhes permitem o esclarecimento eficaz das situações passadas e do presente, mas também visam encarar o futuro de forma mais otimista. Salienta-se, de acordo com as autoras, a importância da sintonia das novas narrativas transformadoras com a linguagem terapêutica do yoga e com a legitimação nas hierarquias dos estabelecimentos prisionais.


O sucesso das atividades holísticas, tais como o yoga e a meditação, parece resultar da confrontação com a situação oposta que representa o encarceramento e privação da liberdade: punição e manutenção da ordem versus oferta de oportunidades de reabilitação, educação e terapia. Por conseguinte, as intervenções holísticas nas instituições prisionais catalãs possibilitam alguma liberdade no imaginário dos reclusos, que se confrontam diariamente com regras apertadas de controlo e disciplina. Os autores sugeriram ainda que estes dados revelam novos indicadores quanto à transformação institucional das prisões, mas também o reconhecimento e a legitimidade das práticas holísticas nas sociedades modernas.


A dissertação de mestrado de Pham (2013) teve por objetivo o estudo de intervenções sobre yoga e meditação, como terapia recreativa, numa prisão do estado da Califórnia e pretendia responder a questões sobre o bem estar-espiritual. Foi aplicada uma escala modificada do bem-estar espiritual– a SWBS – e o plano das intervenções incluiu técnicas de respiração, posturas e meditação. A metodologia do estudo incluiu a gravação de entrevistas e notas de observação participante. Os resultados obtidos no estudo sugerem que os participantes no projeto experimentaram o bem-estar espiritual derivado das intervenções baseadas no yoga e na meditação.


Os estudos acima indicados sugerem a importância das práticas holísticas, onde se incluem o yoga e a meditação, como fundamento para novas estratégias reabilitadoras, e não apenas punitivas, nos sistemas prisionais modernos. Se, por um lado, a realidade dos reclusos é difícil – existem diversos casos de patologia física e mental – e as taxas de reincidência são elevadas em todo o mundo, por outro, as intervenções baseadas no yoga e na meditação são de baixo custo e sem contra-indicações.


As principais técnicas utilizadas nas intervenções com yoga na prisão são as posturas, as respirações, o relaxamento guiado, a meditação, a ética e filosofia do yoga. A variabilidade na duração dos programas analisados situa-se entre as quatro semanas e os nove meses, com uma ou duas intervenções, de uma a sete vezes por semana. Em alguns estudos o foco é no estilo haṭha yoga, em outros há apenas meditação, enquanto que algumas intervenções incluem filosofia, moralidade e espiritualidade.


Não é possível saber qual das técnicas é responsável pelo efeito obtido. A duração das intervenções, o tempo e a motivação na aprendizagem do conjunto das técnicas é responsável pelos resultados e pela transformação gradual dos reclusos. Está por confirmar a hipótese que relaciona as baixas taxas de reincidência com a aprendizagem de filosofia e ética yoguica que são incluídas em alguns dos programas. Existem críticas às metodologias adoptadas e existem fatores estruturais e ambientais que dificultam o estudo da taxa de reincidência.


Sugestões

Os estudos futuros poderiam segmentar as intervenções por tipologias de crimes, ou seja, ter em atenção o tipo de pena do recluso e o tempo de permanência no E.P., além de se estudar a demografia dos participantes, incluindo aqueles que desistem das intervenções.



postura de yoga das aulas do Paulo Hayes
Programa de yoga e meditação com 4 módulos

Bibliografia

Auty, K. M., Cope, A., & Liebling, A. (2017). A Systematic Review and Meta-Analysis of Yoga and Mindfulness Meditation in Prison: Effects on Psychological Well-Being and Behavioural Functioning. International Journal of Offender Therapy and Comparative Criminology, 61(6), 689–710. https://doi.org/10.1177/0306624X15602514.


Bartels, L., Oxman, L. N., & Hopkins, A. (2019). “I Would Just Feel Really Relaxed and at Peace”: Findings From a Pilot Prison Yoga Program in Australia. International Journal of Offender Therapy and Comparative Criminology, 63(15–16), 2531–2549. https://doi.org/10.1177/0306624X19854869.


Diário de Notícias (2019). https://www.dn.pt/edicao-do-dia/26-nov-2019/75-dos-reclusos-regressam-ao-crime-e-se-houvesse-uma-justica-restaurativa-11551359.html, acedido em 5 de dezembro 2019.


Eynden et all (2011). Managing and Sharing Data: Best Practices for Researchers. https://ukdataservice.ac.uk/media/622417/managingsharing.pdf acedido em 31 outubro 2019.


Griera M., Clot-Garrell A. (2015). Doing Yoga Behind Bars: A Sociological Study of the Growth of Holistic Spirituality in Penitentiary Institutions. Em Becci I., Roy O. (Eds.) Religious Diversity in European Prisons. Cham: Springer.


Karup, Azra (2016). The Meaning and Effects of Yoga in Prison. MA thesis.

Institute of Criminology, Cambridge University.


Kerekes, N., Fielding, C., & Apelqvist, S. (2017). Yoga in Correctional Settings: A Randomized Controlled Study. Frontiers in Psychiatry, (8) 204.


Kikkekar, J. (2019). Institutionalising yoga in jails to reduce recidivism rate.

https://www.orfonline.org/expert-speak/institutionalising-yoga-in-jails-to-reduce-recidivism-rate-55401/ , acedido em 5 dezembro 2019.


Pham, Kim H. (2013). Outcomes of a Recreation Therapy Yoga Meditation Intervention on Prison Inmates' Spiritual Well-Being. Master These 4307. San José State University. Disponível em https://doi.org/10.31979/etd.6psa-b5hd.


Smoyer, Amy B. (2016). Being on the Mat: A Process Evaluation of Trauma-Informed Yoga for Women with Substance Use Disorders. The Journal of Sociology & Social Welfare: Vol. 43 Iss. 4 , Article 5. Disponível em https://scholarworks.wmich.edu/jssw/vol43/iss4


The Yoga Foundation (2019). Evaluation & Research. Disponível em http://www.theyogafoundation.org.au/research, acedido em 5 dezembro 2019.


Viorst, M. (2017). Former Inmates Perceptions of the Prison Yoga Project. University of Colorado,Undergraduate Honors Theses. https://scholar.colorado.edu/honr_theses/1494



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